ACEESP - Associação dos Cronistas Esportivos
Advogados, dirigentes de clubes, magistrados, profissionais de educação física, jornalistas e especialistas em gestão e manutenção de estádios participaram na sexta-feira (05/05) do V Simpósio de Direito Desportivo na Sede Institucional da Secional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil. Promovido pela Comissão de Direito Desportivo da OAB SP, o debate multidisciplinar teve como tema central a reconstrução técnica e administrativa do esporte.
Presidente da ACEESP (Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo) e Editor Executivo do portal Gazeta Esportiva, Erick Castelhero mediou o debate no painel “O ponto de vista da mídia esportiva”, que contou com Jorge Luiz Rodrigues, chefe de produção dos canais Sportv, e Diogo Silva, ex-atleta olímpico de taekwondo. O evento também teve a participação de Tim Vickery, jornalista, correspondente da BBC de Londres e comentarista dos canais Sportv, que falou sobre a história do futebol inglês e sua organização.
Responsável pela coordenação do evento, o advogado Orlando Daniel de Lima, que também é coordenador da Comissão de Direito Desportivo, ressaltou em seu discurso que, para afastar a crise do esporte brasileiro, profissionais como os expositores e debatedores do Simpósio precisam ser ouvidos. De acordo com Lima, todos têm como característica comum a busca constante por atualização profissional, formação e conhecimentos técnico e científico. Requisitos fundamentais para a criação de planejamentos estratégicos adequados, necessários para viabilizar o equilíbrio das receitas e, consequentemente, a capacitação de atletas de excelência.
O entrave apontado pelo advogado, porém, é que parte dos responsáveis pela gestão esportiva no país não tem essa mentalidade porque tem outra preocupação. “Os atuais dirigentes de confederações não querem delegar e incentivar estudos e, sim, continuar em seus postos”, declarou Lima para acrescentar que o resultado é que o Brasil, apesar de gastar milhões, não deixa o mesmo patamar de medalhas olímpicas. “É uma medalha aqui, outra ali. Temos que mudar essa história. Trouxemos para esse congresso cabeças pensantes, que sabem que precisam ensinar para que seus trabalhos tenham continuidade”.
Plano de negócio
Primeiro expositor do evento, Fernando Cássio Fernandes, economista e especialista em estratégias de marketing, salientou em sua apresentação a importância da realização do plano de negócios nos clubes brasileiros para reverter o atual quadro e aumentar as fontes de receita. “Hoje, a venda dos jogadores é fundamental para que os clubes de futebol tenham um lucro operacional positivo no final do período contábil. Isso é uma perda do poder de barganha”, explicou o ex-diretor de Relações Internacionais da Confederação Brasileira de Futsal.
Para Fernandes, a alternativa para mudar o cenário atual é o investimento na estrutura comercial e de gestão de propriedades, praticamente inexistente. “O licenciamento de produtos, a venda de ingressos, o e-commerce, além das mídias digitais, têm administração terceirizada na maioria dos clubes. Isso significa a perda do controle dos clientes (torcedores), de modo que não é possível mapeá-los e nem oferecer a experiência adequada a cada um, porque você depende de terceiros e não tem controle sobre a situação”.
O resultado, segundo o especialista, é que empresas interessadas em patrocinar os times brasileiros têm praticamente uma única opção: a exposição da marca nas camisas. “Não temos empresas globais patrocinando grandes clubes porque não há o que oferecer além da exposição de mídia na camisa. Se esse clube tivesse um mailing com, por exemplo, um milhão de torcedores para a realização de uma ação segmentada para diferentes classes econômicas, seria mais interessante comercialmente”, completou.
Assim como possibilita o aumento das receitas, o planejamento também viabiliza a economia de recursos. O arquiteto Ádson Macedo falou sobre engenharia diagnóstica, construção e manutenção de estádios. Em sua apresentação, Macedo mostrou que a preocupação com os custos de manutenção deve começar no projeto. Nessa linha, o arquiteto destacou a importância da compatibilização, que consiste na sobreposição dos desenhos antes da execução da obra. “São pelo menos três os agrupamentos de um projeto. O de arquitetura, o estrutural e os complementares de elétrica e hidráulica. Eles são feitos separadamente. O ‘compatibilizador’ é a figura que sobrepõe esses projetos e arruma o que estava errado antes do início da obra”, explica Macedo para acrescentar que a estratégia gera diminuição das despesas com a redução dos desperdícios e a eliminação do retrabalho.
Chapecoense
Em relação à reconstrução administrativa, o diretor jurídico da Associação Chapecoense de Futebol, Marcelo Zolet, apresentou o modelo de gestão do clube catarinense que, em seis anos, deixou a quarta e passou à primeira divisão e, agora, enfrenta o desafio de se reconstruir após o acidente aéreo ocorrido em Medellín, na Colômbia, em novembro do ano passado.Segundo Zolet, orçamento equilibrado, cuidado e proximidade com atletas e seus familiares, pagamento de salários em dia, comando do departamento de futebol, diálogo frequente entre a diretoria e os conselhos deliberativo, executivo e fiscal, além da proximidade com a imprensa local, são as marcas da administração. “A Confederação Brasileira de Futebol chegou a divulgar a hipótese de a Chapecoense não ser rebaixada neste ano de 2017, mas a diretoria do clube reuniu-se e entendeu que não queria isso. Nós queremos disputar esportivamente e nossa meta é nos manter na série A, mas queremos disputar dentro de campo”, completou.
Reestruturação técnica
O debate em torno da formação de novos atletas ganhou ainda mais força no país após a derrota da seleção brasileira de futebol para a Alemanha pelo tão memorável, quanto lamentável, 7 x 1. Rodrigo Pignataro, coordenador técnico do Desportivo Brasil e doutorando em Biomecânica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que em São Paulo os grandes clubes têm um aproveitamento aproximado de 1% de um jogador oriundo da base. A mudança desse quadro, de acordo com o Pignataro, passa pela educação. “Precisamos fazer parcerias com as escolas para que os garotos com 10 anos, que já têm potencial, sejam extraordinários no seu repertório motor (adquirido nas aulas de educação física)”.
Referência no país, o trabalho realizado pelo Centro de Formação de Atletas do São Paulo Futebol Clube foi apresentado pelo treinador do sub-20, André Jardine, e pelo gerente executivo, Rodolfo Canavesi.
O estabelecimento de valores claros e um ambiente de trabalho saudável são apontados por Canavesi como ingredientes importantes para a excelência. De acordo com o gerente executivo, em 2016 o futebol de base do São Paulo transitou 12 atletas para o profissional. Na opinião dele, a boa marca é resultado do trabalho realizado com o mote da responsabilidade. “Não adianta um atleta entrar na minha sala e eu oferecer um salário para ele e, minutos depois, entrar um colega dele da mesma categoria, com a mesma qualidade, e eu oferecer um salário três vezes maior. Assim, perco todo o meu grupo. Isso vale também para funcionários, clubes e parceiros. É essa responsabilidade que propicia um ambiente de trabalho saudável”, completou.
André Jardine afirma que, como técnico das categorias de base, vem buscando explicações para a sensação de que a qualidade do futebol brasileiro está caindo. Em seus últimos anos de estudos e leituras, o treinador chegou à conclusão de que a explicação está na redução das horas de prática. “No passado, os meninos tinham dois grandes professores antes de ingressar na base: o futebol de rua, que atualmente quase não existe, e o futsal, que também caiu bastante por falta de dinheiro e incentivo”, argumentou. “Quando menino, eu passava no mínimo três horas na rua jogando bola. Isso desde os quatro anos de idade. Hoje a formação dos atletas se dá dentro dos clubes, ou seja, a grande diferença é que os meninos têm praticado menos futebol. Por isso, precisamos mais da ciência e da capacidade de professores e treinadores para desenvolver os jogadores”.
Jardine explica ainda que atualmente o Brasil compete em pé de igualdade com os clubes da Europa no desenvolvimento de atletas, com a diferença de que como os europeus não tiveram o futebol de rua e o futsal como fortes professores, desenvolveram técnicas científicas mais eficientes de treinamento. “É inegável que estamos anos atrás no conhecimento, na ciência e nos estudos para a formação dos atletas dentro dos clubes”, comentou o técnico para acrescentar que o país está “correndo atrás para ter seu método de desenvolvimento de talentos”.
Atuaram como mediadores: Patrick Pavan, presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB SP; Edilson de Bellis, advogado e membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB SP; Francisco Alberto da Motta P. Giordani, desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região; Ana Paula Pellegrina Lockman, desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região; Sálvio Spínola, ex-árbitro da FIFA, advogado e membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB SP.